quarta-feira, 25 de junho de 2014

O que os homens falam?

Elenco estelar e diálogos bem construídos fazem desse longa espanhol uma comédia irônica sobre os medos e fracassos de oito homens em plena crise da meia idade. Sem machismos e sem idealizações, o filme mostra nua e cruamente que eles têm um longo caminho a trilhar até descobrir como lidar com o perfil independente da mulher







O sexto longa de Cesc Gay como diretor está dando o que falar. Ou melhor, o que não falar.  A comédia romântica espanhola O Que Os Homens Falam chega às telonas brasileiras com uma peculiaridade: as salas lotadas de mulheres. Todas elas ávidas por descobrir, enfim, o que eles falam. Mas, infelizmente, não será dessa vez. O título em português, mais vendável que o original Una Pistola em Cada Mano, engana a torcida. A narrativa, construída pelos dramas de cada um dos oito personagens masculinos, reunidos em seis pequenas histórias, mostram muito mais o que eles omitem – para si mesmos e para o mundo - do que propriamente o que verbalizam.

Fernandez e Sbaraglia: um falido, o outro com crises de pânico
A boa do filme está no elenco. Cesc Gay reuniu grandes nomes do cinema espanhol e argentino, como Javier Cámara, Ricardo Darín, Eduardo Noriega e Eduard Fernández.  Darín aliás, que posa de protagonista nos cartazes de divulgação do filme, não é mais e nem menos que os seus companheiros de tela. Não há um personagem principal, todos tem seu peso bem distribuído. Pode-se dizer que O que os Homens Falam é uma comédia inteligente sobre os anseios e medos de homens na crise da chamada meia-idade, que há muito perderam o viço da juventude e experimentam, cada um a seu modo, o gosto amargo de situações mal resolvidas. Tem o drama do marido traído, do que está falido e volta a morar com a mãe aos 46 anos de idade, do que ficou broxa, do desesperado para voltar com a ex-mulher que ele traiu, do casado com filho pequeno que quer trair a mulher. Aliás, traição é um tema recorrente, que permeia a maioria das histórias, mas sem apoiar-se num tom moralista, felizmente. Diferentes ângulos do tema são revelados na fala dos personagens e suas relações mais e menos complexas. Amigos, colegas de trabalho, namorados, amantes casuais: todos estão sujeitos à infidelidade.



A graça está na ironia

 Tosar e Darín numa das cenas-síntese do filme, conversa sobre traição
Se numa comédia romântica americana o riso fácil e o apaixonado beijo final são figurinhas carimbadas e obrigatórias, nessa produção espanhola é melhor não esperar nem por uma coisa, nem por outra. A ironia bem construída nos diálogos é a principal responsável por ensaiar no espectador um riso aqui, outro ali adiante. Nada debochado, nada gargalhado. A graça  sutil é altamente irônica, como quem ri das suas próprias fraquezas e vulnerabilidades. A narrativa sensível e franca mostra que o cômico é patético e que os homens, antes dominadores, perderam as próprias amarras e estão à deriva.

O enredo do filme é contemporâneo, demasiadamente realista. E é essa aproximação com a vida real que traz a identificação, o laço para nos manter atentos até o fim às histórias que eles nos contam. Difícil é assistir ao filme e não ver ali alguém que conhecemos: um primo, um amigo, um ex-marido.

O longa foi rodado em Barcelona, mas é difícil num primeiro momento descobrir a cidade por trás das histórias. Ou a força dos diálogos rouba a atenção do espectador, ou a ideia de Cesc Gay foi mesmo a de deixar a sua cidade natal oculta. A maioria das cenas são internas: hall de elevadores, apartamentos, escritório e uma loja de vinho. A exceção fica por conta de uma praça onde Darín senta ao lado de Luis Tosar para descobrir o amante da esposa, que mora num dos prédios vizinhos. Há também uma sequência de cenas noturnas de uma Barcelona chuvosa vista pela janela do carro onde ocorre um dos diálogos.

As imagens-síntese de O que os Homens Falam monstram sempre um diálogo truncado, provocado pela complexidade das histórias de cada um e da dificuldade de se expor. Às vezes há um silêncio constrangedor e as duplas optam por conversar amenidades e evitar tratar o que realmente os aflige. Ou seja, o tema do filme nada mais é do que a  dificuldade que os homens tem de falar de si mesmos.

À exceção do pouco criativo final do filme, pode-se dizer que o longa de Cesc Gay é uma boa pedida, com bons diálogos e bons atores. Uma pena é que eles não falam tudo o que nós mulheres há séculos tentamos descobrir.

Veja a coluna na íntegra no Jornal Imagem da Ilha: http://www.imagemdailha.com.br/noticias/colunista/karin-verzbickas.html



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